Pulp Fiction: 20 anos - NERD RABUGENTO
Pulp Fiction completa 20 anos e o Nerd Rabugento faz uma homenagem ao filme mais influente dos anos 90.
Quando um negro é estuprado por dois brancos sadomasoquistas num porão de uma loja de armas, em um filme distribuído pela Disney, percebe-se que uma bomba atômica estava prestes a explodir e pouca coisa ficaria em pé.
Extremamente violento, com uma linha do tempo distorcida e muito bem montado, Pulp Fiction - Tempo de Violência é, de longe, o filme mais influente dos anos 90.
O roteirista e diretor Quentin Tarantino, que dividiu o Oscar com outro maluco, Roger Avery, arremessou a tradição da linguagem disparatada, ritmica e prolixa dos textos de David Mamet a patamares inimagináveis da cultura pop.
Os ingredientes do que eu chamo de “bomba atômica de Tarantino” incluia filme de gangsters, de crimes e noir completamente misturados com a violência absurda dos quadrinhos, vídeo games e animação japonesa. E o recipiente era estruturado com a fragmentação de filmes clássicos experimentais como Cidadão Kane (Citizen Kane), Rashomon e La Jetée. O potencial de destruição era inimaginável.
Pulp Fiction entrelaça três histórias, uma delas que arremessou definitivamente Samuel L. Jackson para o primeiro time de estrelas de Hollywood e sozinha deu um reboot na carreira de John Travolta. O texto contava a história de dois capangas que filosofavam sobre nomes franceses de fast food americano e citavam a Bíblia durante o trabalho.
Outra era sobre um boxeador (Bruce Willis) nitidamente inspirado em personagens de filmes noir dos anos 40, talvez o único não vilão da história, que em determinado momento atropela violentamente o espectador e o transporta para dentro de um desenho animado insano adulto sadomasoquista com cenas que ninguém imaginaria em um filme da Disney. Pois sim, a Miramax era o braço independente da Disney.
E a terceira (ou segunda, ou primeira, tanto faz) era uma história de romance entre um capanga e a mulher do seu chefe em que tudo vai da situação perfeita ao inferno em uma cena. É uma mistura improvável de humor, musical e terror dentro de um filme de gangsters.
No texto de Quentin Tarantino nada é gratuito. Há um método por trás dele e tudo é magistralmente amarrado e nem todo mundo percebe. Um ótimo exemplo é a citação da famosa passagem do livro de Ezequiel feita por Jules antes de atirar no sujeito que come um Kahuna’s Burger. A cena é reconhecida como uma das máximas do cinema, mas quando o personagem cita novamente a passagem em um momento de decisão maior da sua vida ninguém percebe.
Jules não atira nos assaltantes na lanchonete como atirou no sujeito que roubou Marcelus Wallace pois seu objetivo mudou: o tiro que ele não dispara acerta a sua própria vida. Tarantino desmontou o personagem, tirou o terno que o caracterizava como capanga e o mandou pra casa de bermuda florida e chinelo. Genial.
Tamanha profundidade em um filme aparentemente superficial carregado de violência e vilões era surpreendente. A destruição de certos pilares estéticos de Hollywood era inevitável.
A partir daí a onda de choque da bomba atômica de Tarantino havia arremessado o consumidor de cinema para uma zona em ele aceitaria violência e diálogos como algo natural e isso criaria uma legião de diretores e roteiristas wannabes.
“Mamãe, eu preciso ser Quentin Tarantino.”
Quentin Tarantino e Roger Avery inauguraram um subgênero, e a lista de filmes inspirados pela linguagem criada por eles é interminável.
O truque da grandiosidade dessa obra de Tarantino está nos detalhes. A genialidade de Tarantino está em se colocar no papel do espectador e fazer o filme que ele quer assistir. Isso é honestidade, coisa rara em Hollywood nos dias de hoje.
O cinema em geral teima em usar o texto para explicar detalhadamente a história do filme para o espectador não precisar pensar. Tratar o espectador como um idiota e entregar um texto para idiotas reduz substancialmente as chances de errar, mas não empolga.
A fórmula secreta de Hollywood para fazer uma bomba (com a esperança de que ela faça barulho, mais do que estragos) é colocar um texto fácil e envolvê-la com muitos efeitos especiais para disfarçar os problemas. E essa bomba é popularmente conhecida como “blockbuster”, ou arrasa-quarteirão.
Enquanto Hollywood não consegue destruir nada além de um quarteirão com queijo, Tarantino acendeu o pavio de uma bomba atômica que alterou a realidade do cinema dos últimos 20 anos. E sem usar efeitos especiais.
Zed’s Dead, baby. Zed’s Dead.